Na manhã desta quinta-feira (5), cerca de 900 pessoas se reuniram em uma manifestação organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em Porto Alegre, para reivindicar moradia e auxílio financeiro, após as enchentes que devastaram o estado do Rio Grande do Sul em maio. O protesto, realizado em frente à Usina do Gasômetro, marcou um ano das enchentes que atingiram o Vale do Taquari em 2023 e reuniu moradores de diversas cidades que continuam enfrentando as consequências das catástrofes climáticas.
Vindos em 22 ônibus de municípios como Arroio do Meio, Estrela, Cruzeiro, Lajeado, Erechim, Canoas e Porto Alegre, os manifestantes cobravam o cumprimento de promessas de assistência e reconstrução por parte dos governos federal e estadual. Apesar de terem recebido R$ 5,1 mil do Auxílio Reconstrução, fornecido pelo governo federal, muitos afirmam que o valor é insuficiente para cobrir os danos e que o auxílio prometido pelo governo estadual nunca chegou.
Márcia Estela Marin, de 55 anos, moradora de Estrela, exemplifica a situação crítica enfrentada por muitas famílias. Após perder sua casa nas enchentes de 2023, ela havia conseguido alguns móveis doados e tentava recomeçar sua vida. No entanto, em maio de 2024, outra enchente destruiu tudo novamente. "Estou morando no porão da casa do meu filho", relata Márcia, ainda sem respostas sobre o pedido de aluguel social. "Recebi os R$ 5,1 mil do governo federal, mas nada do governo estadual. Não tenho condições de reconstruir minha casa do zero."
Assim como Márcia, muitos outros moradores das regiões afetadas permanecem sem uma solução definitiva. Tatiane Bezerra, da coordenação estadual do MAB, afirma que, um ano após a primeira enchente, nenhuma família do Vale do Taquari foi reassentada. "As mobilizações têm sido constantes, mas quase não houve conquistas. O que temos são casas provisórias, que não oferecem dignidade às pessoas."
Tatiane também destaca que o MAB expandiu sua atuação para além das vítimas de barragens, passando a incluir aqueles afetados por eventos climáticos extremos. "É fundamental enfrentar essa nova realidade e exigir políticas públicas eficazes, especialmente no que se refere à moradia", ressalta.
As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul deixaram mais de 40 mil desabrigados e destruíram cerca de 3 mil casas no Vale do Taquari. Estima-se que os prejuízos ultrapassem R$ 500 milhões. Para muitas famílias, a reconstrução parece um objetivo distante, já que os auxílios recebidos até agora são insuficientes para cobrir as perdas materiais.
A costureira Solange dos Santos Salazar, de 43 anos, moradora do bairro Sarandi, em Porto Alegre, também teve sua vida virada de cabeça para baixo após a enchente. Ela perdeu não apenas seus móveis, mas também o material de trabalho. "As máquinas de costura, tecidos e utensílios estavam no andar de baixo da casa. A água chegou a 1,20 metros no segundo piso", conta Solange. Apesar de ter recebido o auxílio federal, ela afirma que o prometido pix do governo estadual nunca foi depositado. "Nenhuma das minhas vizinhas recebeu também. A gente é MEI e depende das máquinas de costura para sobreviver. Não há suporte para que possamos recomeçar."
A frustração de Solange reflete a de muitos que participaram da manifestação. Além de enfrentar os danos causados pelas enchentes, essas pessoas ainda precisam lidar com a falta de respostas do poder público, que parece estar distante da realidade vivida pelas famílias mais afetadas.
Mesmo após sucessivos episódios de enchentes nos últimos anos, a resposta governamental tem sido lenta e ineficaz, segundo os manifestantes. Apesar dos anúncios de políticas habitacionais e de reconstrução, poucas medidas concretas foram implementadas até o momento. Muitos ainda aguardam reassentamento ou auxílio financeiro para reconstruir suas vidas.
Patrícia Dias, moradora do bairro Harmonia, em Canoas, é outro exemplo de quem ainda sofre as consequências das enchentes. Sua casa ficou completamente submersa, e o auxílio federal de R$ 5,1 mil não foi suficiente para arcar com os reparos necessários. "Perdi tudo, e minha família teve que ser resgatada de barco. Quando voltamos, o estrago era total. Jogar fora as mochilas das crianças foi o que mais me doeu", lamenta Patrícia.
Ela conta que, depois de meses de incerteza e desespero, cogita mudar-se para outro bairro. "Não é nem pelo medo de outra enchente, mas pelas recordações. Cada canto da casa lembra o que perdemos."
Além da manifestação em Porto Alegre, o MAB realizou protestos em outras capitais brasileiras para marcar o Dia da Amazônia e alertar sobre a necessidade de políticas de adaptação climática e reconstrução. Em Belo Horizonte, o ato foi realizado no Tribunal Regional Federal da 6ª Região, onde os manifestantes lembraram os nove anos do rompimento da barragem de Mariana e cobraram uma repactuação justa para as vítimas. Em Belém, no Pará, a mobilização destacou a importância da Amazônia na luta contra as mudanças climáticas e os impactos dos grandes projetos de infraestrutura.
O movimento também organizou atividades em Porto Velho, Rondônia, onde ocorreu o ato "Defender a Amazônia é Defender a Vida" e o tradicional Grito dos Excluídos. Já em Ariquemes, um acampamento da Juventude da Via Campesina foi realizado, com o plantio de mudas para marcar o compromisso com a preservação ambiental.
O protesto realizado em Porto Alegre lança luz sobre a necessidade urgente de políticas públicas mais eficazes e abrangentes. As enchentes, que se tornaram eventos frequentes em diversas partes do país, demonstram que é preciso investir em prevenção e adaptação climática, além de oferecer apoio rápido e adequado às vítimas.
O MAB já agendou reuniões com secretários do governo estadual e uma audiência com a Caixa Econômica Federal, responsável pela operação de moradias populares. No entanto, os manifestantes esperam que o governo federal também se posicione, através do Ministério da Reconstrução, para fornecer suporte às famílias que perderam tudo.
Ao fim da manifestação, os participantes marcharam até o Centro Administrativo Municipal e encerraram o ato de forma pacífica na Praça da Matriz, reafirmando sua luta por dignidade e pelo direito de viver com segurança em suas próprias casas.
As enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2023 e 2024 deixaram um rastro de destruição que ainda ecoa na vida de milhares de pessoas. Enquanto muitos aguardam por respostas e auxílio, a luta por moradia e pela reconstrução de suas vidas continua. A manifestação organizada pelo MAB em Porto Alegre representa a voz de quem não pode esperar, cobrando do poder público soluções que ofereçam dignidade e esperança em meio à crise.
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