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Empresa é Condenada a Pagar Indenização por Racismo a Cozinheira Discriminada no Trabalho

Justiça do Trabalho gaúcha determina pagamento de R$ 15 mil após trabalhadora sofrer ofensas raciais e exclusão em reuniões.

05/09/2024 17h29 Atualizada há 2 semanas
Por: Fernanda Redação Fonte: O Sul
Foto: PA Equipamentos
Foto: PA Equipamentos

Uma decisão judicial recente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4) trouxe à tona mais um caso de racismo no ambiente de trabalho. Uma empresa de automação localizada na Região Metropolitana de Porto Alegre foi condenada a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais a uma cozinheira que sofreu discriminação racial durante mais de três anos. A funcionária era constantemente chamada de “negrinha” e excluída das reuniões do seu setor, em atitudes consideradas humilhantes e racistas. O caso, julgado pela 6ª Turma do TRT4, mantém a sentença proferida pela juíza Fernanda Schuch Tessmann, da 2ª Vara do Trabalho de Gravataí.

De acordo com os autos, a cozinheira relatou que, desde o início de sua jornada na empresa, foi alvo de agressões verbais e psicológicas, principalmente por parte da líder do setor, uma nutricionista que era sua superior hierárquica. O tratamento hostil era frequente, com episódios de insultos que incluíam ser chamada de “lerda” e outras "brincadeiras" de cunho racista. O termo “negrinha”, usado de maneira pejorativa, era uma constante na convivência diária.

A empresa, em sua defesa, argumentou que não havia provas suficientes de que a trabalhadora havia sido discriminada por conta de sua cor. No entanto, uma testemunha ouvida no processo confirmou os episódios de abuso e discriminação racial. Além dos insultos, a cozinheira e outras colegas negras eram excluídas das reuniões semanais, mesmo quando os assuntos tratados eram relacionados diretamente às suas funções. Segundo o depoimento, as reuniões incluíam apenas as cozinheiras brancas, que foram contratadas após a autora da ação e recebiam tratamento claramente diferenciado.

Discriminação Racial e Exclusão

O racismo estrutural, presente em muitos ambientes de trabalho no Brasil, foi escancarado nesse caso. A exclusão das reuniões semanais era uma prática rotineira e representava uma clara segregação entre as funcionárias brancas e negras. As decisões importantes, que afetavam diretamente o trabalho das cozinheiras negras, eram tomadas sem a participação delas, reforçando um ambiente de discriminação e isolamento. A testemunha afirmou que a cozinheira em questão, assim como outras colegas, nunca era convidada para essas reuniões, apesar de desempenhar funções cruciais no setor.

Esse tipo de comportamento, caracterizado como racismo institucional, vai além de ofensas verbais. Ele se manifesta no tratamento desigual, na falta de oportunidades de participação e no isolamento de funcionárias negras, criando um ambiente de trabalho tóxico e prejudicial à saúde mental e ao bem-estar dessas trabalhadoras.

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Decisão Judicial

A juíza Fernanda Schuch Tessmann, ao proferir a sentença, destacou que o ordenamento jurídico brasileiro é claro ao vedar qualquer conduta discriminatória no ambiente de trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) proíbe práticas discriminatórias que limitem o acesso ao emprego ou a manutenção de uma relação trabalhista com base em características como sexo, raça, cor, estado civil ou idade.

Na sentença, a juíza ressaltou que as alegações da cozinheira foram amplamente corroboradas pela testemunha, que descreveu uma série de episódios de racismo e discriminação no ambiente de trabalho. “A parte autora foi submetida a tratamento discriminatório e sofreu micro-agressões raciais por parte de sua superior hierárquica”, afirmou a magistrada.

Com base nas evidências, o tribunal determinou que a empresa fosse responsabilizada pelos danos morais sofridos pela trabalhadora. A indenização de R$ 15 mil foi mantida por unanimidade pelos desembargadores da 6ª Turma do TRT4, que analisaram o caso a partir de uma perspectiva interseccional de raça e gênero. A relatora do acórdão, desembargadora Beatriz Renck, enfatizou que o racismo no ambiente de trabalho é uma violação grave à dignidade da pessoa humana e precisa ser combatido com rigor.

Perspectiva Interseccional e Racismo no Trabalho

A decisão do TRT4 destacou a importância de se julgar casos de discriminação racial no trabalho com uma lente interseccional, que leva em conta não apenas a questão racial, mas também as dinâmicas de gênero que afetam mulheres negras de forma particular. No caso em questão, a trabalhadora sofreu discriminação tanto por ser negra quanto por ser mulher, o que reforçou o impacto das agressões que ela enfrentou.

“A violação da dignidade da pessoa humana, quando praticada através de atos racistas, é uma agressão direta aos direitos fundamentais e à igualdade de tratamento”, afirmou a desembargadora Beatriz Renck. Ela acrescentou que o racismo no ambiente de trabalho não só afeta o desempenho profissional, como também tem efeitos negativos profundos sobre a saúde mental e o bem-estar das vítimas.

Além da relatora, os desembargadores Fernando Luiz de Moura Cassal e Maria Cristina Schaan Ferreira também participaram do julgamento e acompanharam a decisão de manter a condenação da empresa.

Casos como esse mostram que o racismo no Brasil continua sendo uma realidade em muitos ambientes de trabalho, onde práticas discriminatórias se manifestam de maneira explícita ou velada. A exclusão de funcionárias negras de reuniões e decisões importantes, o uso de apelidos racistas e o tratamento hostil são exemplos de como o racismo pode ser naturalizado nas relações profissionais.

A condenação da empresa em questão representa um avanço na luta contra a discriminação racial no ambiente de trabalho, mas também evidencia a necessidade de políticas mais eficazes para prevenir e punir essas práticas. O combate ao racismo institucional exige não apenas a responsabilização dos infratores, mas também a criação de ambientes de trabalho inclusivos e igualitários, onde todos os profissionais sejam respeitados independentemente de sua cor, gênero ou origem.

Possibilidade de Recurso

Embora a condenação tenha sido mantida em segunda instância, a empresa ainda pode recorrer da decisão para instâncias superiores. No entanto, a fundamentação sólida e o respaldo nas provas apresentadas tornam a sentença uma vitória importante para a trabalhadora e para a luta contra o racismo no Brasil.

Esse caso também reforça a importância de denúncias de práticas racistas no ambiente de trabalho. Muitas vezes, o silêncio das vítimas ou a falta de apoio institucional perpetuam situações de discriminação. A coragem da cozinheira em denunciar os abusos que sofreu e a firmeza do tribunal em reconhecer os danos causados por essas práticas são exemplos de que é possível buscar justiça e reparação.

A decisão do TRT4 de condenar a empresa por racismo no ambiente de trabalho é uma vitória significativa para a cozinheira e para todas as vítimas de discriminação racial. Mais do que uma reparação financeira, o caso simboliza a importância de se combater o racismo em todas as esferas da sociedade, especialmente no ambiente profissional, onde as relações de poder podem intensificar desigualdades e injustiças históricas.

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